sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O paraíso nunca mais



Esta anta nadando ao lado da canoa no rio Peixoto de Azevedo é a prova de que o paraíso existiu e eu tive o privilégio de passar por ele. Durou pouco tempo mas eu vi. A anta mostrou a tromba a um metro do barco que eu viajava e a foto, quadro cheio, foi feita com uma lente normal. Ela não fugia espantada, apenas resolveu cruzar o rio ao lado da nossa canoa. Era carne de caça importante para alimentar os quase quarenta homens da expedição, mas todo mundo ficou assistindo imóvel a elegância das passadas do bicho naquelas águas cristalinas do rio Peixoto de Azevedo. Durante os quase três anos de expedição me senti como se estivesse assistindo aqueles encontros da bicharada reunida dentro da mata exuberante, num grande falatório como nos livros infantis.
beira dos igarapés amanheciam “picados” de rastro de pacas, veados, porcos do mato e, de vez em quando, no meio daquela pisação uma pata enorme provocava um suspiro de admiração e preocupação. Era a mão de uma onça que tinha vindo beber água. Rastro fresco de quem tinha acabado de chegar.

Muitas vezes tive a impressão de estar sendo cercado pelos bandos enormes, incontáveis, de macacos pregos que apareciam a nossa volta enquanto caminhavamos. Jacus e mutuns sobrevoavam o acampamento no amanhecer e a nossa trilha sonora de todos os finais de tarde eram as araras gritando até a última luz do dia.


O extremo norte do Brasil com seus encantos e desencantos



O jáu que estes dois índios Kaiabí estão segurando deve pesar uns 30 quilos e foi o primeiro peixe de couro pescado no Rio Peixoto de Azevedo pelo pessoal da expedição de contado dos índios Kranhacãrore chefiada pelos irmãos Villas Boas. Foi fisgado no final da tarde do dia em que a expedição encontrou o rio, quase um ano depois de ter partido a pé da Serra do Caximbo. Na chegada quase não se via o rio, de barranco alto, ficava escondido por trás da mata densa. Uma enorme árvore foi derrubada dentro da água. Caminhando pelo tronco pudemos ter uma idéia do rio, tomar banho e pescar. O índio Kanízio, cozinheiro da expedição, que esta a esquerda na foto, amarrou um pedaço de pano no anzol de uma linhada de mão e arremessava recolhendo de forma que o pano viesse chacoalhando na flôr da água. Piranhas enormes e pretas atacavam a isca na superfície.

Assim que escureceu o índio Tariri espetou um rabo de piranha no anzol e lançou rio abaixo. Não demorou muito e ele pegou este jaú, que o puxou para dentro d’água, ele voltou para cima do tronco com ajuda de outros índios com a linha na mão e o jaú fisgado, lutou, caiu no rio novamente, foi uma festa, a festa de chegada ao rio. Até aquele momento a expedição só se alimentava de carne de caça e o charque que raramente era lançado de avião. A comida desta primeira noite foi um banquete inesquecível. Todas as piranhas pescadas foram cozidas, tomamos o caldo, comemos com farinha.