Rosana Steinke
O instante em que os velhos sonhos afundam
com todas as superstições de outrora,
inclusive a da moral, na eclosão de uma vida frenética e admirável.
(João do Rio, discurso de posse na Academia de Letras, 1910)
1. O SURGIMENTO DAS CIDADES DO TEMPO LIVRE.
As estâncias balneárias, também chamadas cidades do tempo livre, são núcleos
urbanos que devem sua existência, por definição, aos prazeres do ócio, ao contato com a
natureza e à contemplação da paisagem, em muitos casos voltados a demandas curistas
(SICA, 1981). Ainda que não seja um campo amplamente explorado pela historiografia
em nosso país, é um tema que apresenta singular configuração para a história social.
Geralmente localizadas no litoral ou junto às montanhas, ou ainda em lugares onde se
encontram águas com propriedades terapêuticas, as cidades do tempo livre surgem a
partir do século XVII na Europa, à medida que a difusão da prática do veraneio começa
a se instaurar no seio da sociedade ocidental (CORBIN, 1989). Para compreendê-la,
segundo Corbin, é necessário compreender a gênese das leituras e das práticas novas da
paisagem que se opera nesse período, o que também implica compreender previamente
a coerência do feixe de representações que o antecede. Ou seja, as redes de
sociabilidade e o ritual de hospitalidade que se manifestam no seio da elite culta e
viajante, descobrindo a si mesma na Europa das Luzes, revela uma genealogia de
práticas bastante complexa, na medida em que modelos iniciais sofrem sucessivas reinterpretações
(CORBIN, 1989 e THOMAS, 1988).
A partir do início do século XIX, conforme percebemos nos estudos de Thomas
e Corbin, se esboça um modelo de organização cujo desenho e gênese permite um
processo mais amplo de ajustamento do espaço e pulsões. A prática da vilegiatura passa
a fazer parte das prescrições médicas, com a descoberta do Bromo e do Iodo e suas
qualidades farmacológicas, então valorizadas, na água do mar, bem como a prática do
banho terapêutico nas águas de estâncias termais. Associada à difusão de novos hábitos
em fins do século XVIII, a indústria do turismo vai se firmando ao longo do século
XIX, aliada ao desenvolvimento de um moderno aparato publicitário e à melhoria dos
transportes, tornando os lugares mais acessíveis aos moradores da cidade. Surgem na
Europa entidades locais, associações e organizações turísticas (SICA, 1981). Como
exemplos europeus clássicos de estabelecimentos de estação de cura, podemos citar
Vichy e Aix-les-Bains, na França, Karlsbad e Baden-Baden, na Alemanha, Buxton,
Brighton, Leamington e Cheltenham, na Inglaterra (CALABI, 2000). Entre os inúmeros
resorts pitorescos, é importante citar Bath, também na Inglaterra, descrita muitas vezes
como palco de uma comédia de costumes ocorrido neste processo de ajuste de estilos,
sendo de fato uma preocupação central da cultura literária do século XVIII (...)
(THOMPSON, 1993: 23).
Algumas destas estações balneárias serviriam de inspiração para realizações do
gênero em nosso país. É o caso da viagem do arquiteto Eduardo Pederneiras à Europa,
com o intuito de recolher exemplos de arquitetura e planos urbanísticos para Poços de
Caldas (ANDRADE, 1998 e LIMA, 2001).
Em tais locais a codificação de hábitos coletivos, o desdobramento de estratégias
de distanciamento e distinção, que ordenam o espetáculo social, duplicam-se em
profundidade com a elaboração de cuidados pessoais individuais relacionados a novos
esquemas de apreciação e engendram modelos inéditos de comportamento (THOMAS,
1988 e VEBLEN, 1998). Criados, num primeiro momento, como retiros para abrigar
pessoas adoentadas das diversas classes sociais, muitas vezes de caráter assistencialista,
apresentam-se como um refúgio. Contudo, a maneira de estar junto, a conivência entre
turistas, os signos de reconhecimento e os procedimentos de distinção condicionam
igualmente as modalidades de fruição do lugar (CORBIN, 1989). Em muitos casos,
(...) proteger os clientes das atividades importunas e da visão
incômoda dos miseráveis era uma das amenidades que as estações
de férias deviam providenciar. Desencorajavam-se pacientes pobres,
ou procurava-se afastá-los do centro elegante, em uma cidade após
outra; as facilidades, que antes tinham sido grátis ou mais baratas,
começavam a custar mais, até que um tratamento sério tornou-se
dispendioso para os realmente pobres. Pacientes necessitados,
agora admitidos como indigentes, tiveram seu número limitado, e
seu tratamento ficou restrito a horas especiais, a lugares especiais
de residências e freqüentemente a edifícios termais separados
(WEBER, 1998: 222).
Ou seja, o seletivo caráter social e excludente também se torna preponderante à
medida que cresce o turismo balneário.
Se as estações turísticas traziam oportunidades significativas a uma indústria
relativamente nova - a propaganda - o moderno aparato publicitário produzia, por sua
vez, uma gradual evolução, num primeiro momento com uma conotação burguesa e
depois se estendendo para as massas, com a difusão cultural de novas práticas de lazer,
colocando em movimento novos fenômenos sociais e produtivos (SICA, 1981). Tais
meios produtivos podem ser observados através da criação de redes viárias, saneamento,
entre outros investimentos, bem como na motivação de uma política de assistência
social incluindo colônias de sanatórios (GLAUS, 1975. Em seu estudo sobre as cidades
do tempo livre, na Europa e Estados Unidos, Sica demonstra como que, com o dinheiro
e o patrimônio públicos, se constrói a infra-estrutura necessária e se cria, ao menos em
parte, a propriedade privada. Esta apertada trama de conexões entre o poder público e a
iniciativa privada também pode ser observada na criação de cidades balneárias em nosso
país.
2. CIDADES DO TEMPO LIVRE NO BRASIL.
Na Europa a afluência de estações balneárias tornou-se mais freqüente nos
século XVIII e XIX, como um paralelo da ampliação dos efeitos da revolução
industrial, com a contaminação estética e higiênica da tradicional paisagem urbana O
Brasil, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, também foi
marcado por uma explosão do crescimento populacional, principalmente em algumas
capitais, não acompanhada pela infraestrutura urbana necessária, piorando as condições
de habitação da população, que buscava abrigo em cortiços, cuja precariedade facilitava
o aparecimento de surtos e epidemias. A criação de retiros de altitude e balneários pode
ser mapeada dentro de tal contexto sócio-histórico (PIRES, 2001). Também podemos
citar, conforme ressalta Sevcenko, a política da saúde, em vias de se tornar o esteio do
turismo e, posteriormente, o Estado Varguista e a instituição do direito geral ao repouso
anual. Observa-se a proliferação da cultura desportiva, na qual o desenvolvimento dos
esportes na passagem do século se destinava justamente a adaptar os corpos e as
mentes à demanda acelerada das novas tecnologias (SEVCENKO, 1998: 571).
Conforme crescia a necessidade de territórios específicos direcionados ao convívio
social e emergiam novas sensibilidades no seio de uma crescente elite, tais práticas
justificavam os conflitos sociais e a necessidade de media-los através da profilaxia, da
higiene e da eugenia, conforme ressaltam alguns estudos (CHALHOUB, 1996 e
SEVCENKO, 1984).
No Brasil, a formação das primeiras estâncias hidrominerais, ainda na segunda
metade do século XIX, está diretamente relacionada as tentativas de afastamento de
surtos epidêmicos urbanos e às práticas medicinais vinculadas ao termalismo. Podemos
dizer que a prática da vilegiatura, associada aos cuidados com o corpo, entre eles a
hidroterapia, comum na Europa desde o século XVIII, difundiu-se em nosso país
principalmente através de duas maneiras: pelas viagens de membros da corte para
estações termais em várias províncias do país e pela circulação de livros estrangeiros
que descreviam o comportamento da elite e os ambientes glamurosos das mais famosas
estações européias (STEINKE, 2002).
Embora houvesse conhecimento da existência de águas com propriedades
terapêuticas em nosso solo desde o século XVIII, foi só em 1808, com a chegada da
família real que se cria o hábito de freqüentar socialmente tais locais. As primeiras
análises com a finalidade de atestar as propriedades químicas e terapêuticas de fontes de
águas termais no Brasil foram realizadas a pedido da corte ainda em 1840. A partir de
então, membros da elite passaram a visitar e estabelecer residências de veraneio em
estâncias termais de vários pontos do país, entre eles Caxambu e Poços de Caldas, em
Minas Gerais, e Caldas de Imperatriz, em Santa Catarina. Datam também desta época os
primeiros investimentos públicos significativos em obras de urbanização e infraestrutura,
criando condições para a construção de hotéis e pensões, que por sua vez
impulsionaram o turismo (STEINKE, 2004).
Nos primeiros anos do século XX, as estâncias hidrominerais apresentavam-se
como núcleos prósperos, algumas como filiais das principais casas bancárias e
comerciais da capital e hotéis de excelente padrão, muitos dos quais passariam a ser
dirigidas por experientes profissionais europeus a partir de 1917, quando, por ocasião da
Guerra, o Brasil acolheu e incorporou os estrangeiros exilados como mão-de-obra
qualificada, em diversos setores (ANDRADE, 1998). Já na primeira década do século
XX a constituição de uma elite paulistana, cuja sociabilidade se espelhava nos costumes
franceses da época, freqüentadora dos salões de suirées no bairro de Higienópolis,
empreendia viagens à Europa, mas também dividia seu tempo com estadias na região do
Guarujá. A temporada no litoral constituía um espaço singular no qual se podia praticar
o footing a exemplo das estâncias hidroterápicas (SCHAPOCHNIK 1998).
3. POÇOS DE CALDAS, SOB O OLHAR CURIOSO DE JOÃO DO RIO.
As estâncias balneárias foram freqüentemente retratadas pela literatura ao longo
do século dezenove e século vinte adentro. De Poços de Caldas, em particular, como
estância de status privilegiado entre certa elite brasileira, nos primeiros anos do século
XX, destaca-se a obra do escritor João do Rio, A Correspondência de uma Estação de
Cura. O universo particular e a vida artificial das estações termais na Belle Epóque
brasileira, tão bem retratados por João do Rio em suas crônicas e romances, é fruto de
duas temporadas que o autor passou nesta cidade, a primeira em 1906 e a segunda em
1917. Nas duas ocasiões João do Rio explorou as particularidades do comportamento
humano e os ambientes típicos das estâncias hidrominerais – cassinos, hotéis de luxo,
balneários e paisagem natural – ironizando a vida anódina da burguesia e o caráter
artificial desse tipo específico de cidade, que almejava ser a Paris ou a Vichy nacional.
O escritor João do rio, observador atento das mudanças na paisagem urbana do
Rio de Janeiro, registrou a referida cidade em transformação, entre o esplendor das
vitrines e o horror dos escombros de uma cidade que se civiliza a duras penas, na qual
se move a humanidade boquiaberta com a rápida mudança de valores, de moral, de
mundo enfim (VALENÇA, 1992: 15). Suas crônicas sobre a capital federal de então,
são bastante conhecidas, no entanto, outra cidade ainda figura como tema de seus
escritos: a pequena Poços de Caldas, no interior mineiro. João do Rio visita Poços de
Caldas pela primeira vez em 1906, aos 25 anos de idade, para a qual viajou por
indicação médica. Da estância mineira, ao escrever reportagens com observações sobre
os hotéis de cura e seus hóspedes, faz um registro peculiar da sociedade brasileira da
época e de suas relações sociais, mostrando que, assim como na Europa, a invenção doslugares e das práticas do turismo, ainda elitista, é uma soma de histórias singulares
(BOYER, 2003: 40).
Voltaria novamente a Poços de Caldas uma década mais tarde e, nessa estada,
escreveria o romance A Correspondência de Uma Estação de Cura, crônica de costumes
ambientada na estância mineira, contada através de cartas trocadas entre os diversos
personagens. Podemos dizer que a narrativa de João do Rio é lugar de memória por
conter um registro de um determinado tempo e espaço. Conforme aponta Pesavento
(...) entendemos que a irreverência, o deboche e o absurdo são
também uma forma de expor o social, de desmontar uma ordem
estabelecida, de narrar as misérias da natureza humana. Sem dúvida
que, a partir de uma visão literária, poderíamos objetar uma
possível comparação, invocando que, conforme o gênero tratado,
pode ser maior ou menor o nível de aproximação com a realidade.
(PESAVENTO, 2000: 247).
Então, para essa autora, o que nos interessa, é ter em conta “as maneiras de dizer
o real”, as quais podem guardar uma porção de verdade e de ficção e que podem ter no
seu referencial a própria realidade, revelando, a seu modo, um lado oculto da vida e de
determinadas situações (PESAVENTO, 2000: 277-8). Em A Intimidade dos Hotéis de
Cura, João do Rio aponta:
Nos hotéis de cura quase sempre o gerente informa quem é o novo
hospede. É o coronel, o excelente coronel ou o doutor, o notável
doutor. Todos são doutores e são coronéis. Chega uma pessoa
cansada, cheia de poeira das locomotivas ou rancor de ter subida a
serra em liteira e, imediatamente, começa a agir a intimidade (RIO,
1992: 70).
Em sua narrativa é perceptível o entrelaçamento das relações sociais entre os
“iguais” e o que os torna próximos, íntimos, quebrando quase que imediatamente
algumas convenções. Provinha, essa tácita proximidade, da divisão de algumas
situações comuns por esses indivíduos, que permitia a sensação de pertencimento a uma
mesma origem ou classe social, como, por exemplo, dividir - senão os mesmos -
semelhantes meios de transporte, tipo de hospedagem, gama de atividades, o gosto por
determinado padrão de vestes, entre outros sinais enviados pelos turistas/curistas. Era
apenas preciso decodificá-los, pois os mesmos os distinguiam.
Segundo João do Rio, (...)dois dias depois, a gente tem a impressão de que vive
há anos no casarão do hotel. Já sabe todos os nomes, todas as histórias secretas, todas
as intimidades (RIO, 1992: 71). Por outro lado, era também a difusão por imitação.
Sobre o assunto, Boyer comenta, referindo-se sobre a Europa:
Imitação capilar, pois cada extrato copiava os comportamentos e as
escolhas da categoria imediatamente superior. Durante os dois
séculos de turismo elitista, o fato de ser turista, de passar uma
temporada em certa estação da moda, conferia um status. Cada vez
mais numerosas, as pessoas do de alta renda se valorizavam pelas
migrações sazonais que faziam nas estações lançadas (BOYER,
2003: 32)
João do Rio descreve, de forma igualmente mordaz, o ambiente dos cassinos e as
jogatinas que presenciava nos salões dos cassinos, entre outros ambientes:
Há decerto uma misteriosa afinidade entre as roletas e as cidades
das águas. Onde haja uma praia, uma fonte termal ou um jorro com
propriedades minerais, podeis ter a certeza que há também roletas:
e quando um homem vos disser, apalpando o estômago ou
consultando o crânio, a ver se ainda lhe restam cabelos: venho de
fazer minha cura! – afirmai com a condição de uma absoluta
verdade: que incorrigível roseteiro tem diante dos olhos! Cidade de
águas, - cidade de jogo, neste selvagíssimo Brasil, como na
Alemanha, como na França, como em Portugal (RIO, 1992: 47).
E conclui, em Santa Roleta. Confissões de “Ponto”: (...) Porque as cidades
d’água não vivem de curas, vivem do dinheiro que a roleta absorve dos curáveis – a
roleta (RIO, 1992: 47).
Ao descrever as noites nos cassinos, não poupa nem mesmo uma relação deste
com os pacientes de um consultório médico visitado por ele pela manhã. O autor em As
Sensações de um Dia, comenta sobre a visita ao médico:
Todos aqueles clientes, na luz pálida da manhã, tinham umas pobres
fisionomias dolorosas e crispadas. Alguns ajudavam o médico no
desejo de rapidamente receberem o curativo; outros conservavam o
rosto fechado, como conhecedores do próximo fim; outros ainda
guardavam qualquer cousa de mecânico no riso e no andar, um
passo de mola, um sorriso de fantoche (RIO, 1992: 62).
Já, no final desse mesmo artigo, se surpreende com o fato de encontrar os
pacientes em distintas circunstâncias, no cassino:
(...) e nesse pequeno paraíso de frivolidade e elegância, que a
civilização parece brunir de um verniz de conservação, os meus
olhos apavorados começam a encontrar os que eu vira no escritório
do Mestre pela manhã, os que me haviam comunicado secretas
coisas da própria vida; eram quase totalmente outros. A sociedade e
o convívio, o bendito desejo de agradar, que move o orbe, como que
os galvanizaram. Passaram por mim, esquecidos da manhã,
aparentemente sãos. (...) (RIO, 1992:66).
E, ao interrogar a um deles, sobre o fato de ver ali, inteiramente sãos, todos
aqueles senhores da manhã, obtém a seguinte reposta: - Mas o mundo é assim. O Hotel
da Empresa é uma redução do mundo.
O tom pedagógico presente no discurso dos guias de viagem também emergiu no
discurso terapêutico, no qual a idéia de progresso e higiene tinha alcance (QUINTELA,
M. M. 2004). Ir a locais privilegiados onde o prazer da estadia, por si só, levava à cura,
ou ao menos, ao alívio. O discurso higienista dava credibilidade à escolha das estações e
ao ritmo das temporadas, vistas mesmo como uma questão de saúde publica.
A relação entre a natureza e o ritmo de vida urbana incorporada pela elite
freqüentadora da estância também não escapa à perspicácia do autor. Na descrição de
um pic-nic que o mesmo teve a oportunidade de presenciar, observa que as senhorasdiscutiam moda; embora exclamassem “que beleza”, referindo-se a paisagem e os
cavalheiros, conversavam sobre política e as últimas notícias que chegavam através dos
jornais do Rio.
Segundo João do Rio
(...) Nenhum desses senhores olhava a riqueza azul do céu, nenhum
deles parecia sentir o ar fino ensopado de aromar. Em
compensação, cada cérebro era um repositório de histórias da vida
alheia. Conforme o grau social, podia-se catalogar naquele passeio
campestre uma série de biografia s de homens urbanos. (...) (RIO,
1992:78)
Assim, conclui:
Cada um de nós conversava do seu meio, mostrava as preocupações
do asfalto e da poeira, conservava a fisionomia composta com
esforço na cidade e com maior esforço lá sustentada. A natureza era
como um parente remoto e venerável de que se guarda o retrato a
óleo e de corpo inteiro no quarto dos cacaréus. (RIO, 1992: 80).
Ao retomar a observação de um senhor que descuidadamente ressalta o prazer de
se beber um vinho assim, sob as árvores: O cidadão nem olhara o local, nem vira que
de arvores só existia um exemplar triste e anêmico! (RIO, 1992: 82). Ou seja, a bela
paisagem era o fundo vago da fotografia na percepção daqueles homens.
A partir dos escritos de Correspondência de uma estação de cura é possível notar
que, se a natureza e a presença das fontes termais atuam como um atrativo. Por outro
lado, impõem-se, ao mesmo tempo, através das relações sociais estabelecidas, a
presença dos hábitos urbanos, através dos diálogos estabelecidos, das práticas da leitura
cotidiana do jornal, da vida noturna e ao se freqüentar os cassinos.
É a junção de vários aspectos, onde a insularidade geográfica, a perfeição
decantada da ordem espacial e social, conforme sugere Sica, oferece alguns traços
próprios da utopia da evasão, de um quase naturalismo romântico. Entretanto, assim
como na Europa e Estados Unidos, também em nosso território aparece vinculada
inevitavelmente às relações de produção vigentes, permitindo o consumo privilegiado.
Ironicamente, os mesmos atrativos que permitem que o local seja considerado
privilegiado para tratamentos de determinadas doenças e também para o descanso,
assumem um caráter urbano (através de reformas e melhoramentos que modificam a
paisagem), se tornando lugares padronizados para atenderem ao público que os
promovem. Tais características, alinhavadas aqui, formam um élan para se estudar a
história das cidades do tempo livre em nosso país.
Esse pequeno ensaio permite estabelecer uma relação entre a literatura e a
história, percebendo o turismo de estações balneárias através da difusão e apropriação
de modelos e a invenção da distinção. Tal estudo permite colocar a cidade como espaço
por excelência para a construção de significados e, nesse contexto específico a que nos
referimos no presente texto, o resgate da memória através da leitura da cidade do tempo
livre e de suas representações na obra A correspondência de uma estação de cura.
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