domingo, 21 de outubro de 2012


no nada


(quem tem náuseas de Sartre?)



— Vim te matar.
— A essa hora? Pra quê?
— Soube que você está escrevendo matéria sobre Sartre.
— É pecado?
— Em Curitiba, só eu posso escrever sobre Sartre.
— Com o perdão dessa arma apontada para mim, não
sei o que vocês vêem nesse francês com cara de sapo, que acabou
a vida mijando nas calças, num pileque contínuo.
— Vê lá como fala.
— Falo como Sartre falaria, diante de uma arma. Como
você acha que ele falou, quando a Gestapo o prendeu, na
Resistência?
— Esse não me interessa.
— Ah, você prefere o Sartre das palavras.
— Fora das palavras, não há salvação.
— Abaixe essa arma, pare de bobagem, sente aí e vamos
conversar sobre.
— Está bem. Mas um gesto, e eu transformo seu para-si
em em-si.
— Enquanto você elucubra aí, não se incomoda se eu
terminasse de ler isso aqui?
— Sobre o que é?
— Adivinhe.
— Ah, sei.
— Que é que você acha disso: “Sartre é o último filósofo
grega Depois dele, só são possíveis MacLuhans”.
— Não acho nada.
— “Teórico e ficcionista, antes de tudo, teve pela ação e
pela militância um amor não correspondido: todas as suas
agitações políticas, em termos de ação, sobre a sociedade
francesa, foram menos que um fracasso. Foram apenas o nada”.
— Continue.
— “Contra o existencialismo, Sartre cometeu o crime
supremo. Escreveu O ser e o nada, vasto tratado, suma teológica
de uma doutrina filosófica que exalta a experiência individual,
anti-teórica e contrária a toda e qualquer suma teológica. Cedo,
Jean Paul percebeu que a forma perfeita para a exposição de suas
teorias já existia. Não era o discurso conceitual de seus mestres, o
teutônico delírio conceitual de O Ser e o Tempo, de seu mestre
germânico Heidegger, o estilo de jogo de Kant e de Hegel. O
existencialismo, por sua própria natureza, só poderia ser exposto
através da ficção. Do conto. Da novela. Do romance. Com Sartre, a
ficção transformou-se no gênero literário (textual) do
existencialismo, veículo ideal de seus princípios”.
— Prossiga. Ainda lhe concedo uma página.
— “Difícil dizer, em Sartre, se é o filósofo que abastece o
escritor ou o escritor que abastece o filósofo. De qualquer forma, o
autor de A náusea deu à literatura o status e a dignidade da
filosofia. E, naturalmente, à filosofia, a cor e o movimento da
literatura. Criou conceitos que se tornaram, em nossa época,
moeda comum. A expressão “engajamento”, foi ele que criou.
“Autencidade”. “Angústia”. “Má consciência”. “Escolha”. E teve
dois amores: Simone de Beauvoir e o marxismo...”
— Pare aí, senão...
— Deixe eu pular para: “A invasão da Hungria pela
União Soviética, para sufocar um movimento popular e nacional,
fez com que Sartre rompesse seu alinhamento com a URSS
stalinista. Como teórico, aliás, não deve ter sido fácil a tarefa do
profeta das “caves” post-guerra, cheias de pré-beatniks, camisas
de gola enrolada, barbas por fazer, jazz e álcool na cuca. Seus
filhos, depois seriam, nos Estados Unidos, “beatniks”. E seus
netos, os “hippies”. O existencialismo é a metafísica do
individualismo ocidental e capitalista”.
— Páre, senão eu atiro.
— Não atire. Eu me rendo. Digo aqui que “O problema
teórico de Sartre foi, sendo existencialista, isto é, seguidor de
Kierkegaard, assumir um pensamento hegeliano, como o
marxismo. Existencialismo e Hegel não combinam. Para Hegel e o
marxismo, saído dele, o concreto é o geral: a classe social, o
sindicato, o Estado. O particular e o individual não passam de
abstrações. Para Kierkegaard de o Existencialismo é exatamente o
oposto. O geral é abstrato. O individual é concreto. Sartre nunca
conseguiu resolver essa contradição. Ainda bem. Ao que tudo
indica, não tem solução”.
— Fique aí onde está.
— “O interessante em Sartre é que esse conflito filosófico
de grandes proporções acaba sendo pai e mãe de sua ficção e seu
teatro, única saída que achou para conciliar Hegel e Kierkegaard”.
— Mais uma dessa não vou aturar.
— “No fundo, o existencialismo de Sartre é a tradução
da impotência política da intelectualidade francesa, no quadro
histórico da França do pós-guerra”.
— Não é o bastante.
Um tiro na noite é coisa que quem dorme nem nota.


alfred jarry


alfred jarry


Cenas de evidente marcação teatral. Jogos de palavras,
de árdua decifração e recriação. O fio do enredo sustentado por
trocadilhos. Um espírito lúdico libertado de amarras lógicas. A
pontuação arbitrária e caprichos tom meio erudito, meio circense.
As imagens e comparações insólitas e delirantes. Alguma coisa de
muito criança com qualquer coisa de muito velho.
A escritura de Jarry é de alta imprevisibilidade.
Não era provável que, em 1902, alguém chamado Alfred
Jarry publicasse esse romance que vocês acabam de ler, vocês não
acham?

p. leminski
um dia tenho que deixar meu coração falar menos alto. 

sábado, 20 de outubro de 2012

“Soa forte no meu peito a música. Estou muito velho? Por que tudo é tão difícil para mim? Por que não posso tocar piano como respiro?”

‘o enigma de kasper hauser’ ou ‘cada um por si e deus contra todos’

“cada um por si e Deus contra todos”


“Para mim, as pessoas são como lobos”, diz o personagem, quando se vê obrigado a se enquadrar num mundo opressor. O diretor faz uma crítica ao preconceito do ser humano, que faz julgamentos de valor com qualquer costume que seja diferente do seu.
Kaspar Hauser morreu ainda jovem, sem nunca ter se adaptado de fato à sociedade da época. Uma curiosidade: no seu túmulo está escrito “Aqui jaz um desconhecido assassinado por um desconhecido” – o que resume o mistério de sua vida e morte. O enigma da origem dele não foi desvendado, mas sua existência revelou muito sobre os valores dos homens daquela época. Apesar de tudo ter acontecido em meados do século 19, dá para perceber que parte do comportamento daquelas pessoas ainda parece atual nos dias de hoje.






terça-feira, 16 de outubro de 2012


um dia resolvi conversar apenas comigo mesma. com os outros? apenas banalidades. nada que importe. lembro do vento nos meus cabelos quando criança e eu correndo pelo povoado de santa clara. lembro de um pé de araticum exatamente no meio do caminho pra escola. lembro da camisa branca e da saia azul plissada, do conga azul e branco e meias brancas até as canelas. lembro do livro caminho suave que era bonito e z era de zabumba e eu nem sabia o que era zabumba. lembro de dois colegas enormes e com 14 anos na minha sala da quarta série e que eram zoados por todos. eles eram magros e altos e usavam calça mais curta e as vezes quando vejo um filme em preto e branco lembro deles pois eles me remetem a  um filme em preto e branco meio confuso. lembro de sentir pena deles. lembro. o que será que foi feito deles?

Eu lembro que queria um beagle, mas uma vira-lata bicolor surgiu ao acaso e era linda e companheira,lembro de querer ser oceanógrafa porque achava bonito o mar e suas profundezas mas jamais aprendi a nadar, lembro de viajar no gol branco ouvindo Depeche Mode, lembro do meu primeiro show com pedestal de microfone improvisado, me lembro de ter tirado apenas três notas de uma música do joy division no baixo e nada mais, lembro de desejar muito e ver uma
 estrela cadente, lembro de estar dançando e ganhar um abraço e um "eu te amo", lembro de querer chorar quando percebi que ia ficar 4 anos em cianorte e fiquei mais que isso, lembro quase tudo do meu primeiro porre, lembro do começo de uma linda canção, lembro da ventania que fazia na praça em sao carlos no ultimo aniversário que comemorei lá, lembro de uma ridícula dança da barata, lembro de muitos almoços sozinha, lembro de estar no meu quarto e perceber que estava apaixonada, lembro de estar olhando pra janela chorando muito, lembro de muitos shows ótimos e fuleiros, lembro quando decidi escrever um texto meu pela primeira vez, lembro disso tudo e de um monte de música....lembro demais, acho que isso é um defeito.