segunda-feira, 9 de junho de 2014

Enigmas

Me tendes perguntado que fia o crustáceo entre
as suas patas de ouro e vos respondo: O mar o sabe.
Me dizeis o que espera a ascídia em seu sino transparente?
Que espera? Eu vos digo, espera como vós, o tempo.
Me perguntais a quem alcança o abraço da alga Macrocustis?
Indagai-o, indagai-o a certa hora, em certo mar que eu conheço.

Sem dúvida me perguntareis pelo marfim maldito
do narval, para que eu vos responda
de que modo o unicórnio marinho agoniza arpoado.
Me perguntais talvez pelas plumas alcionárias que tremem
nas puras origens da maré astral?
E sobre a construção cristalina do pólipo tereis
embaralhado, sem dúvida
uma pergunta a mais, debulhando-a agora?
Quereis saber a elétrica matéria das puas do fundo?
A armada estalactita que caminha se quebrando?
O anzol do peixe pescador, a música estendida
na profundidade como um fio na água?

Eu quero dizer-vos que isto o sabe o mar,
que a vida em suas arcas
é vasta como a areia, inumerável e pura
e entre as uvas sanguinárias o tempo poliu
a dureza duma pétala, a luz da medusa
e debulhou o ramo de suas fibras corais
de uma cornucópia de nácar infinito.

Eu não sou mais do que a rede vazia que mostra
olhos humanos, mortos naquelas trevas,
dedos acostumados ao triângulo, medidas
de um tímido hemisfério de laranja.

Andei como vós escarvando
a estrela interminável,
e na minha rede, à noite, acordei nu,
única presa, peixe encerrado no vento.


(de Canto Geral, parte XIV: O Grande Oceano)

Pablo Neruda (1904-1973)

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