“As Mitológicas” são uma série de estudos publicados pelo antropólogo francês entre 1964 e 1971, reunidos em quatro volumes. Os alimentos e as práticas culinárias são o pano de fundo para um estudo aprofundado sobre os mitos indígenas.
O primeiro volume, publicado em 1964, chama-se “O Cru e o Cozido”. Nele o pesquisador demostra que o homem tornou-se culturalmente mais desenvolvido quando passou a utilizar o fogo como tecnologia para a preparação de alimentos. Para nós, hoje, essa afirmação pode parecer óbvia, mas para a época de sua publicação era uma visão nova, já que o domínio do fogo era considerado mais em relação à sua importância para a sobrevivência do que para o desenvolvimento cultural.
Para Lévi-Strauss, o fogo era a ponte que ligava a natureza à cultura. A natureza, nesse caso, seria representada por alimentos crus que após passarem pelo fogo tornam-se cozidos. Parece simples, mas para homens que acabam de descobrir o poder do fogo a simples passagem de um alimento em estado natural para o estado “cultural” do cozimento é um grande avanço.
Mas o que o simples cozimento de um alimento pode representar dentro da cultura? Se levarmos em consideração a cultura alimentar apenas de países como o Brasil e o Japão, já perceberemos a grande diferença: no primeiro, a carne, principalmente de gado, é um dos alimentos bases da alimentação e é consumida de inúmeras formas (porém, sendo pouco usual o consumo dela crua), enquanto o peixe não é consumido por grande parte da população. No segundo, por outro lado, o peixe é o carro chefe da alimentação e nem sempre existe a necessidade de passar por modos de preparo comuns a nós brasileiros, como o cozimento, por exemplo.

Foi a partir da observação dos hábitos alimentares de tribos indígenas brasileiras que o antropólogo criou o que ficou conhecido como o “Triângulo Culinário”, no qual explicita as relações de transformação do alimento através do tripé: cru, cozido, podre. Assim, o alimento cru (natural), passa pelo fogo e torna-se cozido (cultural) e então por influências diversas apodrece e retorna à natureza.
Tudo isso fez com que o homem primitivo criasse uma série de hábitos estritamente culturais ligados à alimentação: começando pelo cultivo de alimentos que pudessem ser saboreados cozidos, a caça e o preparo da carne, algum tipo de conservação dos alimentos, até chegar às receitas, hábitos alimentares específicos de cada região, modos de consumo, regras de educação durante a refeição e a preocupação com o lixo gerado por ela.
Para Claude Lévi-Strauss, a cozinha é uma linguagem e cada sociedade codifica suas mensagens através de signos particulares dentro desta.


Podemos pegar a ceia de Natal como um exemplo. Quando há um evento importante para nós ele, na maioria das vezes ele é celebrado com um jantar, e neste caso a ceia teria um status ainda maior. A abundância de alimentos também representa um signo bem definido: a felicidade frente às agruras do ano que passou. O peru de Natal que para nós já é tão comum, também tem um explicação cultural bastante interessante, segundo o antropólogo francês: quando a carne que será servida em um jantar for assada, este prato deve ser o mais importante da refeição, isso por que, em uma comparação com a carne cozida, o assado seria mais aristocrático, já que a carne quando cozida ainda conserva os sucos, denotando economia, e a assada seria um processo de destruição e, portanto, de esbanjamento.
Para ele, a cozinha baseia-se em ações técnicas, operações simbólicas e rituais. Utilizando o esquema do “Triângulo Culinário” para entender outros mecanismos culturais, o pesquisador francês provou que algo que fazemos de maneira intuitiva muitas vezes esconde segredos que contam muito sobre a essência de ser humano. Se esse tema o interessa, sugerimos a leitura deste artigo sobre História da Alimentação, que utilizámos como fonte.
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