domingo, 5 de janeiro de 2014

Casa das Rosas 2








Casa das Rosas 1






O Jardim das Resistências – uma história da Casa das Rosas

 Por Frederico Barbosa

A Reinvenção Permanente
Qualquer visita ao casarão rodeado pelo jardim e incrustrado em meio aos edifícios modernos da avenida Paulista incita a imaginação e levanta inúmeras perguntas. Quem o terá construído e por quê? Como terá sobrevivido à verticalização da avenida? Por que hoje abriga um centro de poesia e literatura? Como se mantém? O visitante se vê inundado de questões sobre o significado da Casa das Rosas, seja histórico e arquitetônico, seja como instituição cultural.
Este livro surge para ajudar a responder tais questões. A jornalista Ana Maria Ciccacio realizou uma pesquisa inédita, reunindo documentos e entrevistando desde parentes dos antigos moradores até os atuais gestores da Casa, passando pelos principais atores do seu rico e, outrora, nebuloso passado. Seu trabalho incansável, no entanto, em nada resultaria se não houvesse grande receptividade de todos os entrevistados. Somaram-se aos seus esforços a colaboração de toda a equipe da Casa das Rosas e da Poiesis – Organização Social de Cultura, principalmente o diligente gerenciamento dos trabalhos por Carmem Beatriz de Paula Henrique, o seguro direcionamento editorial de Reynaldo Damazio e o trabalho gráfico sempre brilhante de Angela Kina.
Resulta deste trabalho não apenas a elucidação de inúmeras dúvidas de caráter factual e histórico que dificultavam um olhar preciso sobre o passado da Casa das Rosas, mas também a possibilidade de se vislumbrarem constantes e tendências na história do espaço. A resistência é uma das palavras-chave que iluminam sua trajetória. Resistência à verticalização, resistência de um espaço de arte e poesia em pleno coração do capitalismo mais voraz. E para resistir, a Casa das Rosas teve que se reinventar. De moradia decadente a uma das mais felizes soluções para a preservação sustentável do patrimônio arquitetônico neste país. De instigante galeria de artes plásticas a primeiro centro dedicado à poesia no Brasil.
Esta reinvenção permanente da Casa das Rosas, se possibilitou sua continuidade como centro cultural, também trouxe o malefício de uma sucessão de rasuras. Cada gestão que assumia a Casa a encontrava vazia e começava o seu trabalho praticamente do zero. E nisso reside a terceira virtude maior deste livro. Além de iluminar o passado e revelar linhas nítidas na trajetória da instituição, colabora para evitar a rasura do futuro que a tudo quer devorar: casas, jardins, palavras, gestos, poesia.

sem autor

Gato ingrato
Os gatos eram como gatos,
os cães como cães
e o homem como o homem.
Os gatos eram como gatos
Cães um pouco como cães
e um pouco como o homem,
e o homem como o homem.
Gatos eram como gatos
Cães como o homem
e o homem como cães.
Os gatos estavam preocupados
os cães não se preocuparam
As pessoas eram cães
e os cães não tinham identidade.
O gato foi ingrato
partiu, sem mais nem menos.

Après-midi


arseny tarkovsky

O Verão Partiu
O verão partiu
e nunca devia ter vindo
será quente o sol
mas não pode ser só isto

tudo veio para partir
nas minhas mãos tudo caiu
corola de cinco pétalas
mas não pode ser só isto

nenhum mal se perdeu
nenhum bem foi em vão
à luz clara tudo arde
mas não pode ser só isto

agarra-me a vida
sob a sua asa intacto
sempre a sorte do meu lado
mas não pode ser só isto

nem uma folha se consumiu
nem uma vara quebrada
vidro límpido é o dia
mas não pode ser só isto

Eurídice
Temos um só corpo
singular, solitário
a alma teve que baste
ali dentro fechada
caixa com olhos e orelhas
do tamanho de um botão
e a pele – costura após costura -
cobrindo a estrutura óssea

sai da córnea voando
para o cálice celeste
para o gelado raio
da roda voadora das aves
e escuta pelas grades
da sua cela viva
o crepitar do bosque e da seara
e a trombeta dos sete mares

corpo sem alma é pecado
é um corpo sem camisa
nada feito sem intenção
sem inspiração, nenhuma linha
insolúvel charada:
quem no fim irá voltar
à pista de dança quando
ninguém houver para dançar?

sonhei com uma alma outra
de um modo outro vestida:
ardia na fuga
da timidez à esperança
espirituosa e límpida
como o fogo habita a terra
sobre a mesa pondo lilases
para que lembrada seja

corre, criança, não pares
pela pobre Eurídice
rola o arco e a gancheta
no mundo roda
até subires uma oitava
no tom alegre, e calma
porque a cada passo a terra
faz soar guizos nos teus ouvidos

bernardo lins brandão



I will survive!