terça-feira, 24 de março de 2015

Iluminando as ideias

Se alguém me convence de algo e me faz mudar de opinião, é porque esse alguém me mostrou argumentos relevantes, não é porque ela é gostosa ou gostoso ou famoso ou porque usa uma roupa legal. Não é porque esse alguém tem pelo no suvaco ou porque participa do MST, nem porque usa peruca, nem porque percorreu o mundo, nem porque conhece os movimentos artísticos europeus de 1943 ou porque usa o cabelo raspado, nem porque mora na capital ou numa cidade mais badalada que a minha, nem porque é mais velho ou mais novo, não é porque já tentou suicídio ou teve uma profunda crise existencial, não é porque a "galera" toda acha essa pessoa legal, tampouco é pelo seu currículo no lattes e muito menos porque ando carente de amor.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Mirror



MIRROR

I am silver and exact. I have no preconceptions.
Whatever I see I swallow immediately
Just as it is, unmisted by love or dislike.
I am not cruel, just truthful —
The eye of a little god, four cournered.
Most of the time I meditate on the opposite wall.
It is pink, with speckles. I have looked at it so long
I think it is a part of my heart. But it flickers.
Faces and darkness separate us over and over.
Now I am a lake. A woman bends over me,
Searching my reaches for what she really is.
Then she turns to those liars, the candles or the moon.
I see her back, and reflect it faithfully.
She rewards me with tears and an agitation of hands
I am important to her. She comes and goes.
Each morning it is her face that replaces the darkness.
In me she has drowned a young girl, and in me an old woman
Rises toward her day after day, like a terrible fish.

Sylvia Plath

ESPELHO

Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo imediatamente
Do jeito que for, desembaçado de amor ou aversão.
Não sou cruel, apenas verdadeiro —
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Na maior parte do tempo medito sobre a parede em frente.
Ela é rosa, pontilhada. Já olhei para ela tanto tempo,
Eu acho que ela é parte do meu coração. Mas ela oscila.
Rostos e escuridão nos separam toda hora.
Agora sou um lago. Uma mulher se dobra sobre mim,
Buscando na minha superfície o que ela realmente é.
Então ela se vira para aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e as reflito fielmente.
Ela me recompensa com lágrimas e um agitar das mãos.
Sou importante para ela. Ela vem e vai.
A cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão.
Em mim ela afogou uma menina, e em mim uma velha
Se ergue em direção a ela dia após dia, como um peixe terrível.


traduzido por André Cardoso

(in 34 LETRAS, nº 5/6, Ed. 34 Literatura e Nova Fronteira, Brasil, 1989)

quarta-feira, 11 de março de 2015

CHAMA E FUMO

Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça,
(Como te poderei dizer?...)
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas, tem de ser...
Amor?... - chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...

Manuel Bandeia