terça-feira, 19 de junho de 2012



Winston e Júlia sabiam - de modo que nunca baniam do espírito - que não podia durar muito o que estava acontecendo. Havia ocasiões em que a morte vindoura parecia tão palpável quanto a cama que ocupavam, e então se agarravam com uma espécie de desesperada sensualidade, como uma alma danada se agarra ao último bocado de prazer quando faltam apenas cinco minutos para soar a hora. Mas havia também ocasiões que tinham a ilusão não apenas de segurança como de permanência. Tinham a impressão de que, enquanto estivessem naquele quarto, nenhum mal lhes poderia advir. Chegar até lá era difícil e perigoso, mas o quarto era um santuário. Era como se Winston olhasse dentro do peso de papel, com sensação de ser possível penetrar aquele mundo de vidro, e que, uma vez dentro dele, o tempo se imobilizaria. Com frequência se entregavam a sonhos escapistas conscientes. A sorte haveria de ajudá-los , indefinidamente, e continuariam a aventura até o fim da vida natural. Ou desapareceriam, alterando as fisionomias de modo que ninguém os reconhecesse, aprenderiam a falar com sotaque proletário, arranjariam emprego numa fábrica e viveriam até o fim numa ruela obscura. Tudo tolice, como bem sabiam. Na verdade, não havia fuga. Não tinham intensão de executar nem o único plano praticável: o suicídio. Viver dia a dia, semana a semana, esticando um presente que não tinha futuro, parecia um instinto irresistível, como os nossos pulmões sempre procuram inspirar, enquanto existe ar.

ORWELL

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