quinta-feira, 10 de abril de 2014

O Rio Nu

No final do século XIX, o periódico O Rio Nu inaugurou o gênero pornográfico na imprensa brasileira

Rafaella Bettamio



“Toma tento, rapariga, chupa... chupa... não mastiga!” Seria esta citação pornográfica? Pode ser. O trecho faz parte de uma das edições de O Rio Nu: periódico semanal caustico humorístico e illustrado, que trazia para a sociedade carioca os prazeres da carne e mostrava uma cidade picante, irreverente, maliciosa e escrachada. Criado em 1898 e dirigido inicialmente por Heitor Quintanilha, Gil Moreno e Vaz Simão, O Rio Nu foi a primeira publicação da imprensa brasileira destinada exclusivamente ao público masculino. O sucesso foi tanto que o jornal logo passou a circular duas vezes por semana, e manteve-se ativo por dezenove anos. Recheadas de versos, contos e desenhos provocantes, suas páginas podem ser apreciadas na Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional.


Criado na virada dos anos 1900, seu humor desregrado abordava certos aspectos do cotidiano e da intimidade dos casais que, em geral, a civilização da época julgava pecaminosos. Por trazer uma boa pitada de erotismo e sensualidade em suas colunas, o jornal apresentava ao público brasileiro um novo gênero jornalístico, o pornográfico. A ousadia de suas páginas deixou alguns leitores tão perplexos a ponto de burlarem a vigilância dos funcionários para rabiscar comentários a lápis como “pouca vergonha” ou “absurdo” em alguns dos exemplares pertencentes à Biblioteca.


Apesar disso, muitos se sentiam atraídos por esse conteúdo e apreciavam o “jornaleco”. Algumas seções contavam até com a participação do público, instigado pela imaginação pecaminosa e libertadora. Uma delas era o “Concurso de resposta”, no qual o jornal apresentava um tema em versos para que seus leitores completassem o poema para a redação. Como verdadeiros poetas, os fãs do periódico enviavam suas contribuições, identificados por pseudônimos – recurso também usado pelos próprios colunistas do jornal. As melhores poesias eram publicadas, e tinham sempre temas picantes:



Para o próximo número oferecemos a seguinte pergunta:



Se aquilo lavado fica

Como novo, novo em folha,

– Como diabo é que se explica

Esse receio da rolha?



A resposta vencedora foi publicada dois números depois:



Fica novo, novo em folha.

Desde que seja lavado.

Mas da razão não se esqueça:

Se da cabeça da rolha,

Depois do caldo entornado,

Nascer um’outra cabeça?...



Os vencedores também recebiam como prêmio alguns dos contos da Bibliotheca d’O Rio Nu, publicados em brochuras produzidas e vendidas pelo próprio periódico, sendo um sucesso de vendas e se tornando bastante popular entre o público masculino. Cada um de seus volumes, de leitura reservada,continha narrativas sobre as intimidades da vida sexual de casais, além de muitas gravuras“tiradasdonatural”, traçadas a partir da nudez de mulheres reais que posavam para seus desenhistas,detalhe sempre destacado pela propaganda desses livros, veiculada no próprio periódico. Histórias como “Sandwiche”, “69” e “O menino de Gouveia” – o primeiro conto homoerótico publicado no país –sedimentaram o gênero, também conhecido como “leitura quente”.



A capa de “Sandwiche” – lançado em 22 de abril de 1916 – instigava a imaginação do leitor ao estampar o desenho de um homem de braços dados com duas moças sorridentes. Um dos diálogos entre as personagens não poderia ser mais ousado para a época:



– Vamos, meu bem, não te faças de mauzinho.

– Mas, como há de ser isso? Como escolher entre as duas?

– Não te incomodes: serás o presunto e nós o miolo de uma nova sandwiche.



O jornal ainda divulgava o já popular jogo do bicho e dava palpites para combinações promissoras. As dicas do periódico faziam tanto sucesso entre os leitores que, a partir de 1915, elas passaram a ser vistas em um caderno suplementar, O Bichinho. Outra peculiaridade de O Rio Nu estava nos seus anunciantes, que viam o público assanhado do jornal como possível comprador de seus remédios ditos milagrosos contra doenças como Gonorrheas, Syphilis e Hemorrhoidas.

Com malícia, inteligência de sobra e sem abrir mão da classe, O Rio Nu saiu na frente ao perceber que sempre houve homens dispostos a encarar, regularmente, uma boa dose de pornografia na capital da República. Mais de um século depois que o jornal foi lançado, esse contingente não para de aumentar.

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